O que já se sabe sobre o leilão de arroz da Conab (e será investigado)

O que já se sabe sobre o leilão de arroz da Conab (e será investigado)
O que já se sabe sobre o leilão de arroz da Conab (e será investigado)

Desde o início de maio, com a tragédia climática que afetou o Rio Grande do Sul, o mercado acompanha uma queda de braço entre arrozeiros e representantes do governo sobre a possível falta de arroz no País e a necessidade de intervenção estatal para frear uma eventual disparada de preços.

Mas a briga foi muito além de uma discussão sobre oferta e demanda. Acaba de virar pedido de investigação em órgãos como Tribunal de Contas da União (TCU), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e Procuradoria Geral da República (PGR).

O alvo da denúncia é o leilão promovido na quinta-feira, dia 6 de junho, pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para importar 263 mil toneladas de arroz.

Para a compra do arroz, o governo disponibilizou R$ 1,3 bilhão – o edital previa 300 mil toneladas. O objetivo é trazer o cereal de outros países e distribuir o produto com uma espécie de logotipo oficial.

O problema é que as 4 empresas vencedoras do leilão estão sendo colocadas sob suspeita de irregularidades, denúncia inicialmente feita por diversos deputados federais, entre eles, o deputado federal gaúcho Marcus Vinícius de Almeida, do partido Progressistas, que conversou com o AgFeed.

“Estamos preocupados com tudo que estamos vendo porque é dinheiro público e há Indícios fortes de irregularidade, entre elas uma fábrica de sorvetes e até um mini mercado de bairro de Macapá”, afirmou o parlamentar.

O deputado se refere a empresa “Queijo Minas”, com sede na capital do Amapá, que tem capital social declarado de R$ 80 mil.  A empresa pertencente ao empresário Wisley de Sousa, arrematou no leilão 147,3 mil toneladas, ou seja, dentro de pouco tempo teria que importar e entregar a Conab esse volume de arroz.

Pelas regras do leilão, cada vencedor tem que depositar como caução o equivalente a 5% do negócio. Sendo assim, a Queijo Minas, que pela fachada divulgada em redes sociais é um mini mercado, precisa depositar até o dia 20 de junho para o governo, cerca de R$ 37 milhões (o cálculo considera o preço médio do arroz negociado no leilão que foi de R$ 5 por kg).

Outra empresa vencedora é a Icefruit, com sede no estado de São Paulo, que tem como objeto fabricação de conservas de frutas e sorvetes. Esta precisa fornecer ao Brasil um total de 19,7 mil toneladas de arroz.

Também venceu o leilão a ASR Locação de Veículos e Máquinas, do Distrito Federal, que tem como atividade principal a locação de máquinas e veículos, além da comercialização de itens de higiene pessoal, vestuário, transporte coletivo de passageiros, construção de edifícios, construção de rodovias, ruas, praças e obras de terraplanagem na diversidade. Esta empresa vendeu por R$ 112 milhões um volume de 22,5 mil toneladas de arroz.

Uma fonte que já ocupou diversas vezes cargos importantes de ministérios em Brasília disse ao AgFeed que a participação de empresas “generalistas”, especializadas em participar de licitações e leilões públicos, é algo comum no Brasil. É como se ela fosse apenas a portadora de um contrato, um direito de exercer essa entrega, que também será alinhado com as outras pontas envolvidas, que aí sim teriam capacidade de entregar o produto que está sendo solicitado.

A única empresa que parece ter ligação com o setor entre as vencedoras é a Zafira Trading que teria descrito no contrato “atividade de consultoria em gestão empresarial” e tem capital social de R$ 110 mil. Esta companhia vendeu 73,8 mil toneladas de arroz, por R$ 369 milhões.

O deputado Marcus de Almeida disse que apresentou um pedido de investigação ao TCU para investigar não apenas a falta de relação das empresas vencedoras com o setor do arroz, mas também “conexões estranhas” entre corretores envolvidos nas operações. Segundo ele, um deles já teria sido alvo de operações no passado envolvendo esquema de propina no transporte coletivo.

O AgFeed apurou com mais de uma fonte que uma das vencedoras também pode ter sócios com relação indireta com atuais ocupantes de cargos no Ministério da Agricultura, mas como a investigação ainda está em andamento, os nomes não foram revelados.

Almeida também levou o caso ao Cade por considerar que não houve concorrência no leilão e que há indícios de pode ter havido uma “combinação” entre elas sobre preços, já que foram entrando uma por uma em cada um dos lotes ofertados, jamais concorrendo entre si, e com preços semelhantes.

O AgFeed também apurou mais uma peculiaridade sobre o leilão. Muitas das operações de estoques da Conab são feitas por corretores ligados a BBM, Bolsa Brasileira de Mercadorias. Desta vez os 4 vencedores utilizaram outras duas bolsas, uma de Mato Grosso e outra do Paraná. Na opinião de uma das fontes ouvidas, para garantir a participação de empresas idôneas é necessário ter critérios específicos e rigorosos.

Um outro grupo de parlamentares levou o caso do leilão de arroz da Conab para a Procuradoria Geral da República, por meio de uma representação para que se apure indícios de fraude na compra do cereal importado.

Ao justificar a realização do leilão, o governo tem dito que é uma ação relacionada às enchentes no Rio Grande do Sul, que responde por 70% da produção nacional. O objetivo seria evitar especulação com os preços do produto, formar estoques e minimizar riscos de desabastecimento em função de eventuais perdas no Estado.

Diversos especialistas, no entanto, dizem que não há estudos técnicos que comprovem um descompasso na oferta e demanda de arroz no País, portanto sem evidências de risco de desabastecimento.

O AgFeed solicitou uma posição à Conab sobre a polêmica envolvendo as empresas vencedoras do leilão, mas até a publicação desta reportagem não obteve resposta.

Conab tem história em casos suspeitos

Não é a primeira vez que a Conab está envolvida em suspeitas de irregularidades. Problemas já ocorreram no passado em diferentes governos.

A companhia foi criada na época do governo Collor, quando houve a fusão entre a antiga Cobal, um atacado de alimentos, a Cibrazem, de armazéns e a CFP, que cuidava de política agrícola

As polêmicas já ocorriam antes disso. Na década de 80, durante o Plano Cruzado, o tabelamento de preços reduziu a oferta de alguns produtos dos supermercados e antiga Cobal importou carne até mesmo de uma região próxima de Chernobyl, onde havia risco de contaminação por radioatividade. A justiça barrou a distribuição do produto que acabou estragando, com prejuízo aos cofres públicos.

Durante o governo Sarney, segundo analistas, nas investidas do governo em fazer estoques de arroz (e conter a inflação) chegou a faltar armazéns, com parte do produto ficando “na chuva” e resultando em perdas e denúncias de irregularidades.

Em 1997, a Conab reportou o desvio de 436 mil toneladas de grãos, avaliadas na época em R$ 40 milhões e que viraram notícia crime na PGR.

Em 2011, um relatório da Controladoria Geral da União (CGU) indicou que fraudes e desvios na Conab totalizaram prejuízos de R$ 223 milhões. Entre as operações irregulares estava um leilão de milho com participação de um produtor de Mato Grosso que havia morrido seis meses antes do pregão.

Na época, houve acusações contra o ministro da Agricultura Wagner Rossi, que já havia presidido a Conab. Rossi chegou a ser preso em 2018, mas outro caso, envolvendo o setor de portos.

Já em 2013, o ministro da Agricultura Antônio Andrade determinou o afastamento do diretor de política agrícola e informações da Conab, Silvio Porto, em meio a investigações da Polícia Federal. Ele era suspeito de envolvimento em caso de desvios de recursos do programa Fome Zero e chegou a ser alvo de uma “condução coercitiva” da PF na época.

O mesmo Silvio Porto está ocupando novamente o cargo de diretor da Conab. A área de política agrícola e informações é responsável por fornecer argumentações técnicas quando para embasar decisões de fazer um leilão como esse, promovido agora.

Especialistas ouvidos pelo AgFeed acreditam que há chance de atual diretoria da Conab enfrentar problemas, em função do perfil das empresas vencedoras. “Como não há expertise na importação deste tipo de produto, há risco por exemplo que o arroz não tenha a qualidade desejada”, afirmou uma das fontes.