Em transformação, setor de sementes pode ter até 70% menos empresas em dez anos

Em transformação, setor de sementes pode ter até 70% menos empresas em dez anos
Em transformação, setor de sementes pode ter até 70% menos empresas em dez anos

Das 369 empresas de sementes que hoje atuam no Brasil, é possível que sobrem menos de 100, no prazo de 10 anos, devido a um processo de consolidação e a margens mais pressionadas. Foi o que disse Lars Schobinger, CEO da Blink Inteligência Aplicada, logo após fazer a palestra de abertura do Enssoja, Encontro Nacional dos Produtores de Sementes de Soja, na última semana.

Na plateia, de cerca de 300 pessoas, estavam sócios de sementeiras tradicionais de diferentes regiões do País, além de executivos de empresas que representam a nova onda do setor, incluindo as “plataformas”, de atuação horizontal, e companhias de capital aberto, como a Boa Safra.

É consenso no setor que os tempos de alta rentabilidade nos insumos estão ficando para trás. Por isso a expectativa é de um cenário de oferta e demanda de sementes mais ajustado, com preços levemente mais baixos, na comparação com as últimas duas safras.

O consultor Lars Schobinger mostrou que a cadeia de sementes movimentou R$ 33,5 bilhões na safra 2022/2023, um aumento de mais de 18% em relação ano anterior. Os números da safra 2023/2024, disse, ainda não estavam fechados, mas ao AgFeed, adiantou qual sua expectativa:“Foi um ano bem complexo, com ajuste de preços, por isso acredito que haverá uma retração no mercado, com queda de 20% “, afirmou.

Se a previsão se confirmar, o mercado total de sementes ficaria em R$ 26,8 bilhões. Nesta conta da consultoria Blink são considerados também os royalties, o germoplasma e o valor do TSI (tratamento de sementes) que o produtor rural já adquire “dentro do pacote”.

Em área e volume de sementes comercializadas, o setor vinha crescendo no mínimo 5% ao ano. Já em receita, com o forte avanço da área plantada nas últimas safras e aumento da tecnologia nas sementes, anualmente as cifras avançavam 17%, segundo Schobinger.

Mas as notícias não são tão ruins. O consultor prevê uma recuperação do mercado na safra 2024/2025, considerando que a área plantada ainda cresça 2%.

É uma visão mais otimista se comparada a de outros especialistas que também apresentaram projeções durante o Enssoja. André Pessoa, da Agroconsult, acredita em recuo na área cultivada, como mostrou o AgFeed. Já Anderson Galvão, da Céleres, aposta em leve aumento, de 800 mil hectares de soja, na safra 2024/2025.

A reação na venda de sementes começou a acontecer neste mês de maio. Até abril as vendas das sementeiras estavam no ritmo mais lento da história, assim como nos defensivos. “Enquanto o normal seria ter rodado 40% nos primeiros quatro meses do ano, as vendas estavam em 12%”, disse o consultor da Blink

Segundo a Agroconsult, com o ritmo mais acelerado agora, a venda de sementes subiu de 33% para 48% na semana passada. No mesmo período do ano passado estava em 53% e a média histórica é de 69% (puxada pelas duas safras anteriores).

O presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Sementes de Soja (Abrass), Gladir Tomazelli, diz que o setor seguirá o cenário dos agricultores, de maior ajuste e cuidados na gestão.

Na visão dele, outra questão fundamental neste momento são as políticas públicas, que muitas vezes trazem ameaças ao setor. Recentemente, com apoio da Frente Parlamentar da Agropecuária, o segmento diz ter evitado um aumento de R$ 10 bilhões em impostos, ao barrar uma tentativa de cobrança de Imposto de Renda sobre royalties aos multiplicadores.

“A reforma tributária é uma caixa preta, ainda não conseguimos entender se vamos pagar mais ou menos impostos, isso é muito perigoso”, afirmou. Ele diz que com as margens mais baixas do momento, qualquer tipo de medida que onere o setor, seria muito prejudicial.

Outra ameaça para o setor é o alto índice de “sementes salvas” ainda utilizado pelos produtores brasileiros. Segundo a Blink Consultoria, 22% do que se planta ainda vem desses agricultores que “guardam” a soja para utilizar como semente, sem certificação e sem o devido pagamento pelo germoplasma.

O consultor Lars Schobinger calcula que o prejuízo gerado pelas salvas e pela pirataria seja de R$ 2,44 bilhões. “Os royalties da biotecnologia são cobrados na moega, mesmo para o que usa semente salva, mas o germoplasma não. E há também a perda nos impostos”.

Ambiente para fusões e aquisições está “reaquecido”

Em tempos de margens mais pressionadas e até prejuízo, para algumas empresas, devido à elevada sobra de sementes na última safra, um dos temas dos bastidores do evento, em Foz do Iguaçu-PR, era a expectativa de novos M&As no mercado.

Não é de hoje que o setor de sementes está no foco de fundos interessados em investir nas empresas do agronegócio. Mas com a forte queda nos preços da soja no ano passado, o valor das sementes também pressionado para baixo, houve um certo desânimo.

Agora, com a sensação de que o pior já passou, comenta-se que o clima “reaqueceu”, com algumas possíveis transações no radar.

A maioria aguarda para breve, por exemplo, a confirmação da compra da Sementes São Francisco, de Goiás, pelo Pátria Investimentos, que estaria com sua tese pronta para tentar ser líder em sementes e conversando com diversas empresas do setor.

Em paralelo, o mercado observa as movimentações para uma possível compra da Sementes Campeã, que pertence ao grupo AgroGalaxy, controlado pela gestora Aqua Capital. Pelo menos três interessados estariam na disputa, com uma forte “compatibilidade” pesando a favor da Boa Safra Sementes, que não comenta o assunto.

Entre os fatores que contariam a favor de um possível “casamento” entre Boa Safra e Sementes Campeã está a localização geográfica – empresas são vizinhas em Goiás e a empresa dos irmãos Colpo há tempos vem manifestando interesse em expandir a região Sul, onde a sementeira do AgroGalaxy tem presença.

Outro “match” é a possibilidade de fazer uma aquisição parcial de ações, não de 100%, algo que interessaria a ambos, segundo fontes próximas das duas empresas. Mas a expectativa é de alguma notícia sobre o tema ainda demore mais alguns meses, no mínimo, devido às longas negociações que tradicionalmente envolvem o setor.

Para o vice-presidente da Abrass, André Schwening, o setor esperava que o movimento de consolidação ocorresse até mais rápido do que está sendo visto.

“Está acontecendo de forma mais pontual, em algumas regiões. Um fator que mitiga esse processo é o fato de muitas empresas ainda atuarem com operações agrícolas acopladas”, explicou.

Na visão de Schwening, a previsão da consultoria Blink, de reduzir de 369 para menos de 100 o número de empresas “não é um exagero”.

“Algumas empresas de porte menor podem escolher não participar, se transformar em prestadoras de serviço, com foco na produção. E as maiores vão utilizar suas redes para acessar o agricultor, esse movimento sim pode acontecer mais rápido”, avaliou.

O dirigente acredita que a margem líquida das sementeiras no Cerrado que esteve no patamar de 15% na safra passada ou até negativa, em alguns casos, deve este ano voltar para níveis acima de 20%, “o que na conjuntura atual não é ruim”.

Já o presidente da Abrass faz uma ressalva sobre o tema da consolidação. Diz que a atividade não é fácil como se imagina. “É preciso entender de clima, de fertilidade do solo, de época que chove, das emoções do agricultor… E a semente é um ser vivo, por isso tem que ser produzida e comercializada por quem tem know how. Acho que o multiplicador que tem conhecimento e que se profissionaliza não sairá do mercado”.

Mais vendas a prazo

Candidata ao próximo M&A, a Sementes Campeã pertence ao AgroGalaxy, uma das “plataformas” que amplia o acesso ao agricultor, mas ao mesmo tempo fica exposta às dificuldades financeiras da temporada, como o aumento do número de recuperações judiciais.

Durante o Enssoja, o consultor Lars Schobinger disse que, enquanto contabilizou 127 pedidos de recuperação judicial em 2023, até agora, em 224, já seriam pelo menos 400 casos registrados. Ele aponta a dificuldade de crédito causada por esse problema como uma das tendências para o setor sementeiro na próxima safra.

O AgFeed conversou com o diretor de sementes da Campeã, Gustavo Calderon, sobre o atual cenário de mercado. A empresa produz 1,65 milhão de sacas de sementes e tem operações em Formosa, Goiás, além de uma unidade de beneficiamento no Paraná.

Calderon diz que o aumento da inadimplência tem sido mais grave nas revendas. Sementeiros ouvidos pelo AgFeed no Enssoja também confirmam que seus clientes distribuidores relatam índices de até 30% de contas que não foram pagas pelo produtor rural.

Neste cenário, o executivo da Sementes Campeã conta que está havendo uma mudança no perfil de vendas. “Clientes que antes compravam tudo à vista agora querem 30% com crédito, para pagar a prazo”, afirma.

O clima é de preocupação no setor em função da expectativa de margens ainda apertadas para o produtor de soja. Calderon lembrou que na última safra houve uma sobra de 25% de sementes no mercado, mas na Campeã foi possível ter um índice menor, de 12%.

“Nossa sobra é menor pela ponta comercial, são 160 lojas no Brasil, é mais fácil escoar o produto”, explicou.

Neste cenário, está mantendo o mesmo volume de produção este ano, devendo apenas contar com menor oferta de algumas variedades mais procuradas, na região Sul. As vendas via AgroGalaxy representam 45% do total, segundo ele.

Ele admite que a empresa também sofreu com o ritmo mais lento nas vendas neste início de ano. Até agora, a comercialização está em 60%, mas na mesma época do ano passado estava em 70%.

O resultado, para o mercado em geral, é um preço um pouco mais baixo. “A receita caiu 5% até agora, mas os preços estão até um pouco melhores do que se projetava nas revisões recentes”, disse ele.

Na Boa Safra Sementes, que vem conseguindo crescer em receita, apesar do cenário desafiador, a maior procura por negócios com “prazo safra”, para pagar depois da colheita, também é uma realidade.

“À medida que a semente está com valor agregado maior, a procura pelo prazo safra vem aumentando”, disse Glaube Caldas, diretor de operações da Boa Safra, ao AgFeed.

Ele avalia que há uma diminuição na disponibilidade de recursos para o produtor, de maneira geral, além de um preço da semente mais alto, em função, por exemplo, do TSI. “Em ano como esse existe a tendência de aumentar mais o prazo safra”.

Na Boa Safra, cerca de 30% das vendas foram feitas a prazo na última temporada. Agora é possível que esse percentual chegue ao patamar de 40%, segundo ele.

Para financiar o cliente, a empresa pretende seguir utilizando o seu Fiagro, de R$ 400 milhões. O CFO da Boa Safra, Felipe Marques, disse que no ano passado, dos R$ 500 milhões de contas a receber da empresa, 80% foi financiado pelo Fiagro. “Há indícios de mercado que apontam para uma maior demanda por prazo safra, mas ainda não temos como confirmar”, ponderou.