A previsibilidade do Brasil, a surpresa dos EUA e a dúvida da Argentina, segundo o economista-chefe do Citi

A previsibilidade do Brasil, a surpresa dos EUA e a dúvida da Argentina, segundo o economista-chefe do Citi
A previsibilidade do Brasil, a surpresa dos EUA e a dúvida da Argentina, segundo o economista-chefe do Citi

Economista-chefe para América Latina do Citigroup, o mexicano Ernesto Revilla precisa dedicar atenção para uma região com economias díspares, de um Brasil com inflação baixa a uma Argentina ainda lutando para fugir da hiperinflação, além da incógnita que representa o futuro governo da presidente eleita do México, Claudia Sheinbaum. E, de quebra, acompanhar impacto dos juros nos Estados Unidos na região.

Nesta entrevista ao NeoFeed, Revilla, no entanto, demonstra equilíbrio ao analisar cada cenário. Chega a ser surpreendente sua moderação ao comentar a turbulência política e econômica recente no Brasil: elogiou a decisão do Copom de manter, de forma unânime, a taxa Selic em 10,5% e não acredita que um impulso fiscal do governo altere a previsão do banco de crescimento do PIB do Brasil para 2024 e 2025, por exemplo.

“Estamos nos aproximando de um longo período de manutenção da Selic sem alteração, apesar de existirem pressões nos dois sentidos caso surjam riscos”, diz Revilla. “Mas uma taxa Selic de 10,5% ao ano é consistente com uma inflação que está na meta no horizonte da política monetária”.

Além disso, Revilla prevê uma recuperação do real em relação à moeda americana, fechando 2024 cotado a R$ 5,16 por dólar e, no fim de 2025, a R$ 5,07 – bem abaixo da cotação atual (R$ 5,39). A recente oscilação da moeda, assegura, foi determinada, em parte, pela reação “exagerada” do mercado a notícias ruins, como as críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

O otimismo de Revilla se estende à queda dos juros pelo Federal Reserve, o BC dos EUA. Diferentemente dos economistas americanos, que preveem dois cortes dos juros em 2024, o Citi trabalha com três cortes de 0,25 ponto percentual nos juros até dezembro, seguidos de mais oito cortes em 2025.

Leia a seguir trechos da entrevista, concedida por Revilla antes de desembarcar em São Paulo para participar da 16ª edição da Equity Conference do Citi Brasil, cuja programação terá painéis com analistas globais a partir desta terça-feira, 25 de junho.

Quais as perspectivas do Citi para a taxa Selic no Brasil? Foram alteradas depois que o Banco Central manteve a Selic em 10,5%?
Foi uma decisão esperada e responsável do BC. Estávamos esperando a manutenção da Selic sem mudança e achamos interessante ter sido unânime, uma mostra de que a decisão foi técnica, com a qual o mercado concorda.

Para o Citi, manter a taxa Selic no patamar atual é suficiente para prever uma inflação dentro da meta de 3% para 2025?
Acreditamos que sim. E acho que, de fato, estamos nos aproximando de um longo período de manutenção da Selic sem alteração, apesar de existirem pressões nos dois sentidos. Se a economia voltar a acelerar ou tivermos uma maior expansão fiscal haverá tendência para uma taxa de juro mais elevada. Se ocorrer um abrandamento inesperado na economia, os juros devem cair. Mas apostamos que estes riscos permanecerão equilibrados e uma taxa Selic de saída de 10,5% ao ano é consistente com uma inflação que está na meta no horizonte da política monetária.

“Uma taxa Selic de 10,5% é consistente com uma inflação na meta no horizonte da política monetária”

O que poderia ter maior impacto na trajetória da inflação brasileira: mercado de trabalho aquecido, setor de serviços ou pressão fiscal?
No momento, uma atenção maior deve ser dada ao comportamento do mercado de trabalho, que continua apertado. Prevemos uma taxa de desemprego no Brasil fechando o ano em 7,0%, baixando em 2025 para a 6,8%. Também é preciso ficar atento à inflação de serviços e a de bens comercializáveis, devido à desvalorização do real, e ao comportamento recente dos mercados de commodities. O mercado está prestando atenção para ver se a inflação externa não afeta os preços locais no Brasil.

Essa instabilidade fiscal pode afetar a expectativa do Citi de crescimento do Produto Interno Bruto do Brasil para 2024?
Temos uma expectativa de crescimento de 2% do PIB em 2024 e 1,5% do PIB em 2025. Não acreditamos que um impulso fiscal maior possa mudar significativamente essas trajetórias de crescimento, mas poderia aumentar o prêmio de risco sobre os ativos brasileiros.

A cotação do real já estava sendo impactada pelo cenário americano, mas caiu mais com a tensão interna. Qual a previsão do Citi do câmbio para 2024 e 2025?
Fizemos alguns ajustes, na perspectiva de um dólar mais forte na economia dos EUA e de maiores riscos nas economias emergentes. Mas continuamos otimistas quanto à redução dos prêmios de risco. Nossas estimativas para o real são muito favoráveis: R$ 5,16 por dólar no fim de 2024 e R$ 5,07 por dólar no fim de 2025.

O que explica essas cotações futuras do dólar bem inferiores às atuais?
O mercado reagiu de forma exagerada a algumas questões locais. Tivemos as enchentes no Rio Grande do Sul e muito ruído com a questão fiscal e o voto dividido do Copom anterior. Mas, na nossa visão, apenas a tragédia das cheias e o custo fiscal que isso terá são fatores relevantes. As outras questões serão absorvidas pelo mercado e desaparecerão.

Uma taxa Selic mais elevada por mais tempo é preocupante?
A alta taxa de juros será um atrativo suficiente para continuar investindo em ativos brasileiros, que vão dar suporte à moeda. É por isso que estamos mais otimistas de que a volatilidade poderá passar no fim do ano.

As críticas do presidente Lula ao Banco Central indicam que a tensão causada com a sucessão de Roberto Campos Neto na presidência do BC, até a escolha do nome, deverá prosseguir. O Citi trabalha com esse cenário?
Os debates que existem entre o Poder Executivo de vários países e seus bancos centrais sempre existiram e continuarão. Isso já vinha ocorrendo até mesmo nos EUA, quando Donald Trump foi o presidente. Isso faz parte do novo normal, ao qual o mercado vai se acostumar. Dito isso, acredito que a forma com que esse debate é conduzido é importante.

A forma na condução desse debate recente no Brasil foi equivocada?
Se o mercado perceber que há pressão, isso é contraproducente porque o prêmio de risco aumenta, a moeda se desvaloriza e torna a inflação mais difícil de baixar. Mas em todos os países, os debates são bem-vindos.

O presidente Lula completou um ano e meio de governo. Qual sua avaliação?
Acredito que, tendo em conta as difíceis circunstâncias internas e externas, foi feito um bom trabalho. O presidente Lula soube guiar a economia em decisões difíceis, equilibrando as necessidades de crescimento e as demandas sociais, mantendo esses dois fundamentos macroeconômicos.

Algo o surpreendeu?
O Brasil fez conquistas que não esperávamos antes do governo Lula, como a reforma tributária que o novo imposto sobre valor agregado nos dará. Acho que essas reformas serão transformadoras, embora demorem porque temos um longo período de transição. Mas contextualizando, principalmente com a preocupação antes da presidência do Lula, parece-me que o mercado tem geralmente recebido em bons termos as decisões de política econômica desta administração.

Qual a previsão do Citi para o início da queda dos juros nos EUA?
Durante o ciclo de aumento das taxas fomos mais hawkish (duros) do que o mercado e estávamos certos. Agora, o mercado está apostando em dois cortes do Fed na taxa de juros, de 0,25 ponto percentual (pp) cada. No Citi, esperamos três cortes de 0,25 pp até dezembro, começando em setembro, e oito cortes de juros em 2025.

“Esperamos três cortes dos juros nos EUA até dezembro e outros oito cortes em 2025”

Qual razão para esse otimismo maior em relação ao mercado?
O motivo é o enfraquecimento da economia americana, que agora é mais evidente no mercado imobiliário, no consumo de bens e principalmente em alguns setores do mercado de trabalho.

Qual o impacto da demora do início do ciclo de cortes de juros nos EUA nos países da América Latina?
Está, sem dúvida, menor do que no passado. Desde a Segunda Guerra, quando o Fed subia os juros, a América Latina caminhava para uma crise. A crise da dívida latino-americana da década de 1980 começou com o México, quando a Fed começou a aumentar as taxas de juros, e depois espalhou-se pela região. O recente ciclo de aumento de juros nos EUA felizmente não atrapalhou as economias da região porque elas se encontram mais fortes do que no passado.

Entre os países da região, quais os que exigem mais atenção?
Aqueles onde o Fundo Monetário Internacional (FMI) está envolvido como, por exemplo, Argentina, Equador e El Salvador. E não falemos da Venezuela, que sequer permite a intervenção de organismos multilaterais.

O Citi prevê uma rápida recuperação econômica da Argentina sob o governo de Javier Milei ou ainda é cedo para fazer uma previsão segura?
O desempenho econômico da Argentina tem sido melhor que o esperado até agora, e isso tem que ser comemorado. A inflação foi reduzida significativamente, mas o mercado ainda tem dúvidas sobre o quão permanente será esse ajuste.

Quais dúvidas?
O ajuste foi feito, em grande parte, em setores onde pode não ser sustentável mantê-lo, como por exemplo na redução dos salários públicos. Isto pode ser alcançado durante um certo tempo, mas pode não ser permanente, tal como a redução das transferências para governos estaduais. A analogia que faço é de um paciente na UTI que tem muitos problemas, que está muito frágil e os médicos conseguiram estabilizá-lo, mas ele ainda não está fora de perigo.

O México também entra num período de mudança de governo. Qual a perspectiva do Citi para a economia mexicana no curto e médio prazo?
O México vive um momento interessante de profundas mudanças. Na parte política, o modelo de partido único, hegemônico e extremamente poderoso do passado voltou, com a surpresa da última eleição, onde o Morena, o partido no poder, obteve uma supermaioria. Isso deixou o mercado nervoso com a possibilidade de uma série de reformas que irão enfraquecer os pesos e contrapesos e o quadro institucional.

A presidente eleita Claudia Sheinbaum é mais pró-mercado que o atual presidente, López Obrador?
Ainda não sabemos. Sheinbaum reiterou o programa que López Obrador estabeleceu para a reforma social e institucional e acredita nos princípios fundamentais do Morena, que é maior participação do Estado na economia. O México começa a apresentar pressões fiscais que não se viam nos últimos anos. O que é difícil de prever é se ela vai cumprir a promessa de responsabilidade fiscal e de uma macroeconomia ordenada.

No ano passado, o México ultrapassou a China como o maior exportador de bens para os EUA. O país tem aproveitado essa briga comercial EUA-China?
Sim, mas não no potencial que poderia. O governo López Obrador não fez investimentos para eliminar os gargalos existentes em alguns setores, como eletricidade, água e infraestrutura logística. Talvez isto mude na próxima presidência, pois Sheinbaum apresentou um ambicioso programa de investimentos. Mas isso exigirá espaço fiscal e é precisamente isso que não existe hoje.

É um fardo para Sheinbaum suceder a um líder muito popular como Lopez Obrador?
No México, muitos analistas fazem uma analogia de Sheinbaum com a presidência de Dilma Rousseff no Brasil. Em ambos os casos foram precedidas de presidentes carismáticos – Lula e López Obrador – que eram vistos com reserva pelo mercado antes da posse, mas foram relativamente bem na parte macroeconômica porque tiveram sorte no exterior, com as commodities no Brasil e o near-shoring do México com os EUA. Ambos os presidentes receberam os seus países com grau de investimento e elegeram as sucessoras.

O Citi tem previsões diferentes sobre a economia dos EUA em caso de vitória de Joe Biden ou de Donald Trump?
Ainda não estabelecemos cenários alternativos dependendo de quem vencer. Biden é mais fácil prever, porque tende a ser um governo de continuidade. Mas, caso saia vitorioso, Trump será um presidente mais focado e disciplinado na concretização dos seus objetivos, com uma equipe próxima e que estará mais preparada desde o primeiro dia para atingir os objetivos da sua agenda conservadora.

Quais objetivos?
Tem um documento que está circulando muito nos Estados Unidos chamado Projeto 2025, que foi coordenado pela think-tank Heritage Foundation, que serve como um guia do que seria uma presidência sob Trump. O que os conservadores querem é obter muitas conquistas rapidamente. Essa seria a diferença para o mandato anterior dele, ou seja, será mais disciplinado que o primeiro.

O Citi prevê uma recuperação econômica da China no curto prazo?
Para a China estimamos um crescimento de 5% em 2024. E depois alguma desaceleração em 2025 para 4,6%. Mas acreditamos que a partir daí a China regressará ao crescimento, ou seja, 5% – o que é o novo normal. Nossos economistas chineses acreditam que grande parte da desaceleração já passou e que o governo tem dado prioridade a um pouco mais de estímulo marginal no futuro para a economia interna e para a economia global.